Algures no século passado, na pré-história dos PC e das consolas, a sala lá de casa foi palco para os encontros mais importantes da história do futebol. Sobre o relvado, um rectângulo de cartão, desdobrável, pontificavam 22 figuras monocromáticas e uma bola de disco de cor branca. Os vermelhos enfrentavam, invariavelmente, os azuis, fossem quais fossem as equipas em disputa. Aos Domingos, depois de almoço, retirava a caixa de cartão do armário, montava o campo, dobrado em três, montava as balizas (do género das que servem para decorar os bolos de aniversário), dispunha as equipas sobre o campo, de acordo com a táctica que me ocorresse e simulava a jornada do dia enquanto escutava o relato no transístor; JVC, com leitor de cassetes. A coisa demorava 90 minutos; ou mais, se fosse dia de taça com prolongamento; tantos quanto a vida real dos pontapés na bola e até dava direito a relato, gravado nas velhas cassetes BASF, de 120 minutos, onde o pai guardava algumas das memórias do ultramar. Lembro-me das jogadas de mestre e dos golos de bandeira, de fazer corar de vergonha qualquer Barcelonazinho. Lembro-me das noites europeias, das finais, das glórias e dos insucessos. Lembro-me da ansiedade começar de véspera (eu tinha o jogo ali à mão, pronto para satisfazer a minha gula, mas eu resistia à tentação, esperando pelo dia marcado pelo calendário da vida real e da minha personificação paralela) e de acordar cedo no dia D...
Guardei o jogo até à bem pouco tempo, tendo perdido o seu rasto numa das várias mudanças de casa. Como a um amigo distante, gostava de o reencontrar numa sala qualquer, pisado por 22 figuras de plástico, disputando, quem sabe, a final do Mundial de futebol enquanto eu bebia um uísque e lutava contra um impulso maior de não me entregar ao jogo com o pudor próprio de um cota e chefe de família. Mas lá que dá ganas dá...
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