O campeonato acabou e, como quase sempre, do lado dos vencedores e dos vencidos nunca nada é como foi, por ter sido obra de um velho sistema de costas largas atrás do qual se encobrem vícios e viciosas maneiras de encobrir o sol com uma peneira. Enfim, uma lusitana paixão pela inveja e pelo mal dizer a que a falta de cálcio não será alheia.
O
Benfica sagrou-se bicampeão por culpa de um treinador sagaz que cedo percebeu
que a matéria-prima ao seu dispor não dava garantias de enfrentar a contenda
com a vertigem atacante que tem marcado o seu consulado. Assim, atirou às
malvas a nota artística e optou por um registo eminentemente racional, aqui e
ali pontuado por exibições superlativas mas que no global roçaram o quanto
baste para salvaguardar o resultadismo. Paineleiros e demais especialistas do
futebol indígena apressaram-se a encomendar as exéquias dos encarnados face ao
êxodo de parte da sua espinha dorsal. Contudo, a realidade viria a mostrar a
quão prematura extrema-unção e lá tiveram de meter a viola no saco.
Começando
pela baliza, nunca restaram grandes dúvidas quanto á mais-valia que representava
um guarda-redes a meio caminho entre a experiência e a veterania. Sobre Júlio
César pairava a sombra de um; tão grande quanto esquivo; Oblak que realizara
uma época notável como número 1 da baliza lampiã e as feridas mal saradas da
tareia com que o Brasil fora brindado nas meias-finais do Mundial. Com o tempo
e após muito se ter verberado sobre lesões crónicas, o internacional canarinho
recuperou a sua aura de campeão e os pergaminhos de excelência do passado.
No
defeso o Benfica perdera Garay, insubstituível em função da classe muito acima
da média que passeara pelos relvados com o emblema da águia e esforçou-se para
garantir no mercado jogadores de valor aproximado. Por opção técnica, César e
Lisandro Lopez nunca viriam a convencer e foi em Jardel, que o treinador veio a
depositar total confiança para formar dupla com o omnipresente Luisão. O
patinho feio transformou-se num cisne, garantindo exibições seguras que
surpreenderam os observadores e satisfizeram adeptos.
Samaris
passou metade da época a adaptar-se ao papel de pivôt defensivo e a outra
metade a provar á saciedade o jeito de Jesus para transformar o joio em trigo. Neste
momento, sem que que sobrem garantias para a sua permanência, o grego
apresenta-se como indiscutível para o ataque á nova época e o resto são “pinets”.
Com a
debandada de Enzo Perez, a sangria benfiquista viria a conhecer novo capítulo e
Jesus foi novamente forçado a recolher ao seu laboratório de alquimista para
trazer a público um novo box-to-box. Mais uma vez, os viscerais desconfiados da
praça anteciparam a debacle eminente. Contudo, como num toque de mágica, os encarnados
conseguiram manter o equilíbrio estrutural, inventando Pizzi para uma função
que se julgava órfã. Talisca, perdera o fulgor inicial e nunca chegou a
convencer a exigências da posição 8 no esquema de JJ e Ruben Amorim passou a
época a recuperar de uma prolongada lesão. Embora sem deslumbrar, o transmontano
satisfez as exigências, demonstrando apreciável capacidade de adaptação ao
lugar disfarçando o deficit de agressividade defensiva através de uma técnica
acima da média e boa leitura de jogo, acabando a época com nota positiva sem no
entanto afastar de parte a necessidade do clube procurar no mercado uma solução
mais eficaz.
No
ataque, fazendo dupla com um Lima de pedra e cal nas preferências de Jorge
Jesus, Talisca “Mc Queen” debutou com estrondo, martelando as redes com uma
sofreguidão fora do comum para um jogador desconhecido no mercado europeu e
dobrou o primeiro terço do campeonato com 8 golos na conta pessoal. A ânsia pela
criação de novos heróis foi tal que depressa se dispuseram pretendentes ao
dote, com o Chelsea à cabeça, através do canto de sereia do Happy One. O tempo
encarregou-se de deitar água na fervura e a montanha pariu um rato com o brasileiro
a eclipsar-se pouco a pouco. Para memória futura fica a técnica individual
acima da média, a velocidade e o forte remate do esquerdino que, com tempo para
umas tão reclamadas férias não terá na sua segunda época desculpas para
oscilações exibicionais tão latentes. A rever.
Para
o eclipse de Talisca contribuiu em grande parte o aparecimento de Jonas. O
avançado, proveniente do Valência chegou com o comboio em andamento mas
depressa provou tratar-se de uma mais-valia, demonstrando classe e capacidade
finalizadora, empurrando o seu conterrâneo para uma tão esforçada quanto inconsequente
adaptação ao meio campo ou uma alternativa nunca efectiva á posição de extremo.
Com efeito, Jonas, baixo e franzino faz lembrar um certo João Vieira Pinto, na
morfologia e na maneira como desenha o seu papel em campo.
Posto
isto, o renovado campeão teve o mérito de ser uma verdadeira equipa, corporizando na plenitude o lema que exibe no brasão, sem estrelas maiores nem desculpas menores, percebendo
cedo que os campeonatos se ganham na singularidade de premissas comuns, percebendo os sintomas de dias maus e adaptando-se às vicissitudes do jogo, com
coragem, inteligência e, já agora, sorte.
Há
quem fale em colo, em manto, há calimeros e outros traumas. Para quem gosta de decifrar
os sinais do Tempo, não deixa de ser sintomático o discurso repassado e redutor
sobre conspirações e cabalas. O primeiro passo para o declínio é a cegueira
daqueles que se acham acima de qualquer incompetência, como os discursos de
governos autistas que nos conduziram ao lodo. O melhor de dois mundos para os vencedores…
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