segunda-feira, 25 de maio de 2015

A mão que encobre o lodo



O campeonato acabou e, como quase sempre, do lado dos vencedores e dos vencidos nunca nada é como foi, por ter sido obra de um velho sistema de costas largas atrás do qual se encobrem vícios e viciosas maneiras de encobrir o sol com uma peneira. Enfim, uma lusitana paixão pela inveja e pelo mal dizer a que a falta de cálcio não será alheia.
O Benfica sagrou-se bicampeão por culpa de um treinador sagaz que cedo percebeu que a matéria-prima ao seu dispor não dava garantias de enfrentar a contenda com a vertigem atacante que tem marcado o seu consulado. Assim, atirou às malvas a nota artística e optou por um registo eminentemente racional, aqui e ali pontuado por exibições superlativas mas que no global roçaram o quanto baste para salvaguardar o resultadismo. Paineleiros e demais especialistas do futebol indígena apressaram-se a encomendar as exéquias dos encarnados face ao êxodo de parte da sua espinha dorsal. Contudo, a realidade viria a mostrar a quão prematura extrema-unção e lá tiveram de meter a viola no saco.
Começando pela baliza, nunca restaram grandes dúvidas quanto á mais-valia que representava um guarda-redes a meio caminho entre a experiência e a veterania. Sobre Júlio César pairava a sombra de um; tão grande quanto esquivo; Oblak que realizara uma época notável como número 1 da baliza lampiã e as feridas mal saradas da tareia com que o Brasil fora brindado nas meias-finais do Mundial. Com o tempo e após muito se ter verberado sobre lesões crónicas, o internacional canarinho recuperou a sua aura de campeão e os pergaminhos de excelência do passado.


No defeso o Benfica perdera Garay, insubstituível em função da classe muito acima da média que passeara pelos relvados com o emblema da águia e esforçou-se para garantir no mercado jogadores de valor aproximado. Por opção técnica, César e Lisandro Lopez nunca viriam a convencer e foi em Jardel, que o treinador veio a depositar total confiança para formar dupla com o omnipresente Luisão. O patinho feio transformou-se num cisne, garantindo exibições seguras que surpreenderam os observadores e satisfizeram adeptos.   
Samaris passou metade da época a adaptar-se ao papel de pivôt defensivo e a outra metade a provar á saciedade o jeito de Jesus para transformar o joio em trigo. Neste momento, sem que que sobrem garantias para a sua permanência, o grego apresenta-se como indiscutível para o ataque á nova época e o resto são “pinets”.
Com a debandada de Enzo Perez, a sangria benfiquista viria a conhecer novo capítulo e Jesus foi novamente forçado a recolher ao seu laboratório de alquimista para trazer a público um novo box-to-box. Mais uma vez, os viscerais desconfiados da praça anteciparam a debacle eminente. Contudo, como num toque de mágica, os encarnados conseguiram manter o equilíbrio estrutural, inventando Pizzi para uma função que se julgava órfã. Talisca, perdera o fulgor inicial e nunca chegou a convencer a exigências da posição 8 no esquema de JJ e Ruben Amorim passou a época a recuperar de uma prolongada lesão. Embora sem deslumbrar, o transmontano satisfez as exigências, demonstrando apreciável capacidade de adaptação ao lugar disfarçando o deficit de agressividade defensiva através de uma técnica acima da média e boa leitura de jogo, acabando a época com nota positiva sem no entanto afastar de parte a necessidade do clube procurar no mercado uma solução mais eficaz.
No ataque, fazendo dupla com um Lima de pedra e cal nas preferências de Jorge Jesus, Talisca “Mc Queen” debutou com estrondo, martelando as redes com uma sofreguidão fora do comum para um jogador desconhecido no mercado europeu e dobrou o primeiro terço do campeonato com 8 golos na conta pessoal. A ânsia pela criação de novos heróis foi tal que depressa se dispuseram pretendentes ao dote, com o Chelsea à cabeça, através do canto de sereia do Happy One. O tempo encarregou-se de deitar água na fervura e a montanha pariu um rato com o brasileiro a eclipsar-se pouco a pouco. Para memória futura fica a técnica individual acima da média, a velocidade e o forte remate do esquerdino que, com tempo para umas tão reclamadas férias não terá na sua segunda época desculpas para oscilações exibicionais tão latentes. A rever.
Para o eclipse de Talisca contribuiu em grande parte o aparecimento de Jonas. O avançado, proveniente do Valência chegou com o comboio em andamento mas depressa provou tratar-se de uma mais-valia, demonstrando classe e capacidade finalizadora, empurrando o seu conterrâneo para uma tão esforçada quanto inconsequente adaptação ao meio campo ou uma alternativa nunca efectiva á posição de extremo. Com efeito, Jonas, baixo e franzino faz lembrar um certo João Vieira Pinto, na morfologia e na maneira como desenha o seu papel em campo.
Posto isto, o renovado campeão teve o mérito de ser uma verdadeira equipa, corporizando na plenitude o lema que exibe no brasão, sem estrelas maiores nem desculpas menores, percebendo cedo que os campeonatos se ganham na singularidade de premissas comuns, percebendo os sintomas de dias maus e adaptando-se às vicissitudes do jogo, com coragem, inteligência e, já agora, sorte.

Há quem fale em colo, em manto, há calimeros e outros traumas. Para quem gosta de decifrar os sinais do Tempo, não deixa de ser sintomático o discurso repassado e redutor sobre conspirações e cabalas. O primeiro passo para o declínio é a cegueira daqueles que se acham acima de qualquer incompetência, como os discursos de governos autistas que nos conduziram ao lodo.  O melhor de dois mundos para os vencedores…



0 comentários:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...