O futebol é o mais feminino dos temas assexuados.
É certo e sabido que, no que toca ao futebol, a isenção é uma quimera só comparável à de transformar um político num animal honesto, sobretudo quando toca à rivalidade comparativa da grandeza dos clubes. Neste particular a verdade é volúvel, mudando de padrão na perspectiva das lentes com as quais se enxergam os factos, numa cegueira generalizada que radica dos fundilhos da alma, onde a razão é mais fina e por isso, mais vulnerável ao desgaste da paixão.
Por mais "isentos" que sejamos e por mais redutora que seja a nossa clubite superlativa, nada obsta a que se use do bom senso quando nos prestamos a verberar sobre virtudes e defeitos dos nossos mais que tudo (É verdade mulheres, por mais que vos doa, o clube é a ultima coisa que trocaremos num momento de crise sentimental).
Consideremos o FC Porto e o SL Benfica, as duas e únicas - Mesmo! Por mais que outros penetras peçam meças a essa condição - superpotências internas no que toca ao futebol. Época após época, no intervalo dos jogos, vai-se entretendo o andor nos painéis de sábios, opinadores e demais paineleiros, que se multiplicam pelos diversos órgãos de difusão da palavra, como fungos em ramo verde, dissertando sobre poderes hegemónicos por entre teorias mais ou menos conspiratórias ou simplesmente alegóricas para mostrar que a sua virtude é maior do que a do vizinho. E é aqui que a porca torce o rabo. Como meninos crescidos, todos devíamos saber que quantidade não é necessariamente qualidade. De que vale ter o proveito sem aproveitar a fama?...
No que toca a números, é por demais evidente a supremacia do Porto nos últimos trinta anos, relativamente ao Benfica, como também não deixa de ser verdade que até essa fronteira temporal foi dos encarnados essa supremacia.
Debruçemo-nos pois sobre as razões que conduziram à troca de testemunhos na posição charneira do futebol português. Mais do que questiúnculas de secretaria, de lobbys ou de fruta fresca ("sei que não vou por aí"...) as evidências confirmam que existe um pormenor que vai fazendo a diferença quando se trata de enunciar a força motriz que conduz à vitória. A mística é a identidade de um clube, radicada no espirito de grupo, na ambição e no carácter.
A mística não nasce das árvores nem se compra nos bancos ou nos investidores, não nasce de geração expontãnea nem se importa da América do Sul. Nasce das memórias e dos exemplos transmitidos de dentro para fora no confronto natural de gerações que se substituem na condição de transmissores dos valores.
Vítor Paneira |
Até final dos anos 80, os planteis de FC Porto e SL Benfica eram eminentemente compostos por jogadores portugueses que se perpetuavam no clube como faces visíveis do "ser portista" ou do "ser benfiquista", comandados por direcções competentes e conhecedoras das sensibilidades próprias do meio ambiente futebolístico. A década seguinte porem marcou uma viragem profunda neste cenário de equilíbrio de valores. A par com a liberalização do mercado e a consequente sociedade das nações em que transformou o jogo, o Benfica mergulhou no degredo profundo para o qual foi conduzido pós João Santos, por sucessivas direcções descabeladas e incompetentes ou à mercê de chicos espertos de ocasião que transformaram o clube numa agremiação descaracterizada e à deriva. Foram-se os dedos e os aneis. Os planteis perderam os exemplos internos e a mistica transformou-se numa mera alusão temporal.
Se na ultima década o clube voltou a navegar em águas tranquilas e a bater-se por essa hegemonia, não deixa de ser verdade que a mística vencedora não passa ainda de uma esperança encarnada, com muito para andar até se sedimentar na própria história do clube. Mas para arrepiar caminho importa não alimentar a saciedade com desculpas redutoras como arbitragens e sorte, é que uma mentira repetida muitas vezes, transforma-se em verdade, veja-se o caso do Sporting.
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